quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Leitura e políticas públicas

Olá,
Como vão os leitores(as), nativos digitais, alun@s, amigos, colegas?!!!!
Espero que sempre passem por aqui para dialogarmos e ler a nós e ao mundo com "olhos de farol" , como nos convida Nanci Nóbrega.
Vamos ler....
Ana Lúcia Gomes da Silva *
"Ler os muitos discursos de mundo, a organização pública, o traçado das cidades, as civilizações diversas, [...] a paisagem do campo, o relacionamento dos homens, implica uma aguda consciência de estar no mundo e interagir com ele”. (Eliana Yunes, 1998).

Inicio minha fala transformando a afirmativa do título do texto da professora Simone Nogueira (2007), em questionamento: Qual a importância do livro na Brasil do século XXI? Sem dúvida estamos num século marcado pelo desenvolvimento tecnológico, pela crescente discussão acerca do respeito às diferenças, pelo apelo ao cuidado com o outro, pela eqüidade de gênero, entre outras demandas sociais. Uma delas é a constante luta dos vários segmentos sociais por políticas públicas para formação de leitoras e leitores. E qual o lugar, o olhar, dado ao livro, a biblioteca, a formação de leitores e aos profissionais da educação?

Há lugares, olhares, cuidados, sensibilidades para com estes elementos, crucias e fundantes para a sociedade? Dizer que não há nenhum olhar, seria fatalismo, mas, por outro lado, os olhares, são tão tímidos, que de imediato denunciam a ínfima importância dada a cada um desses elementos citados pelos gestores públicos de nosso país e do nosso estado.
Segundo Nogueira (2007, p.1) “Existem políticas públicas que incentivam a leitura e o acesso ao livro, como o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), que desenvolve ações que pretendem assegurar o acesso ao livro e á leitura a todos os brasileiros e brasileiras[1], visando formar uma sociedade de cidadãos leitores.” A própria autora concorda que é preciso fazer mais para que a democratização do acesso ao livro seja de fato uma realidade que atinja a um contingente maior, cada vez maior, de leitores e leitoras.

Como poderemos falar de maior participação social pela leitura, se segundo Bagno (1999), os sujeitos excluídos da leitura são os mesmos que não possuem moradia, salário digno, direito à saúde e educação de qualidade? Como ampliar este acesso se não desenvolvermos políticas públicas que garantam e, portanto, assegure o acesso ao livro e á leitura?
Para Nogueira (2007, p. 1), “o livro é um insumo necessário na construção do conhecimento, é o livro, independente do gênero, ou mesmo dos suportes escolhidos – hoje pode ser até virtual- possibilidade surgida neste século - o leitor que se aproximar de um livro e se apropriar de seu teor enveredará pelo universo da literatura, e, considerando o alto índice do analfabetismo funcional, o livro representa um recurso imprescindível para que se chegue a superação desse problema”.

Os exemplos de que temos conhecimento em todo o Brasil revelam e comprovam que o livro é encantador e possui magia. São exemplos dessa magia, a Borracharia que se transformou em biblioteca numa cidade mineira, a biblioteca no ponto de ônibus em Brasília, a biblioteca formada embaixo da ponte pelos catadores de papel na capital paulista, esses são alguns dos promissores e mágicos exemplos do poder de transformação que a leitura imprime. Exemplos menores, mas não menos importantes tivemos no nosso Departamento de Ciências Humanas - campus IV UNEB/ Jacobina através da disciplina Estágio Supervisionado, da qual era coordenadora, cujo curso de extensão no cárcere, promoveu a formação de leitores/as e os registros dos depoimentos de duas encarceradas participantes do referido curso, encontram-se no relatório de gestão da reitoria da UNEB como projetos de ações afirmativas realizados na gestão de 1998-2005.

Temos ainda o exemplo do projeto de extensão da professora Eleusa Câmara da UESB de Vitória da Conquista, desenvolvido no cárcere e que se transformou na sua dissertação de mestrado. Exemplos como estes, nos dão à dimensão do que as políticas públicas seriam capazes de realizar de forma efetiva em todo país, se o olhar e o lugar dado ao livro, à biblioteca e formação de alunos e professores leitores fosse a prioridade em qualquer gestão pública ou privada.

Como elevar o nível intelectual da população sem a educação, sem a leitura e, portanto, sem o estudo? As competências requeridas pelo leitor autônomo, fazem parte das habilidades complexas acionadas no ato de ler, tais como: localização de informação, inferências, pressuposições, argumentação, enfim, construção de sentidos com o material lido, quer escrito, quer imagético, cinematográfico, fotográfico, etc. como nos diz Affonso Romano de Sannt’Ana (2001)[2], “tudo é leitura, tudo é decifração. Ou não. Depende de quem lê”. Numa sociedade letrada, saber ler e escrever, saber utilizar a leitura e escrita como práticas sociais concretas são necessidades tidas como primordiais, tanto para resolver questões do cotidiano, como para exercer o direito à cidadania. Isso implica para Mortatti (2007, p.6), que “ler e escrever é, para o ser humano, necessidade tão essencial como comer, morar e amar”. Diante dessa real necessidade parece no mínimo paradoxal que continuemos com índices tão perversos de analfabetismo, bem como de analfabetismo funcional.

Como vimos no 16º Congresso de Leitura do Brasil, - COLE , realizado em Campinas no período de 10 a 13 de julho de 2007,a partir da afirmação de Ferreira Gullar, “no mundo há muitas armadilhas e é preciso quebrá-las”. Vivemos, pois, rodeados de armadilhas. São bibliotecas públicas escassas e sem a devida infra-estrutura, são docentes que não são leitores, gestores que desconhecem ou fingem desconhecer o papel social da leitura, do livro e das bibliotecas; são escolas devolvendo para o mercado de trabalho jovens analfabetos funcionais; são os números oficiais declinando sempre quanto ao desempenho de nossos alunos e alunas no PISA, no ENEM, no SAEB e em tantos outros instrumentos oficias de avaliação que analisam a leitura e escrita dos jovens brasileiros; são os direitos dos trabalhadores desrespeitados no Congresso Nacional a exemplo da proposta já votada no Congresso para a extinção do 13º , da licença maternidade, entre tantas outras armadilhas da linguagem que sequer são lidas, sequer nos indignamos e passamos a reivindicar nossos direitos .

Vamos de fato usar a nossa leitura dos fatos, dos dados estatísticos e fazer da nossa voz uma polifonia que em rede de solidariedade possa reverter o quadro de não-leitores no nosso estado, nossa cidade, nosso país.
Não é sem intencionalidade, ironia e forte teor político que Guiomar Grammont, (1999,p.1), afirma :

Ler devia ser proibido [...] acorda os homens/mulheres[3] para as realidades impossíveis, tornando-os/as incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. [...] A criança que ler poderá tornar-se um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzindo a crer que tudo pode ser de outra forma.
E com certeza a realidade pode ser de outras e outras formas, outros contornos e possibilidades, pois o poder advindo da leitura é transformador, desestruturante, inebriador, revolucionário, demasiadamente político, intencional, e traz sentidos plurais.
A leitura não é apenas um ato escolar, mas cultural e político, que exige de cada profissional a compreensão dos fundamentos, finalidades e tratamento didático, que o ensino da leitura requer. Por isso todas as disciplinas têm a responsabilidade de utilizar/analisar diversos gêneros textuais que circulam socialmente (desde os textos escritos, aos cinematográficos, pictóricos, corporais, musicais, etc), cabendo a disciplina Língua Portuguesa fazê-lo de modo sistemático.
Devemos instrumentalizar nossos alunos/as propiciando – não uma instrumentalização desprovida de crítica e descontextualizada, mas essencialmente interdisciplinar.

Tudo se dá com, na e pela leitura. Ela agudiza o senso crítico, faz perceber a ideologia subjacente aos textos veiculados socialmente. Faz interagir intelectualmente com discursos elaborados dentro de regras específicas com sintaxe, léxico, e universo de referências próprias. A leitura implica tensão, desacordo, não-linearidade, debate, diálogo, mudanças, humildade, pois às vezes não adentramos em certos textos, necessitamos voltar a outras leituras para depois retomar aquela que nos pareceu impossível compreender.

A despeito desse quadro tão perverso, há outros dados sobre a formação de leitores que nos move, e por isso mesmo, como militante esperançosa, não poderia deixar de lembrar do educador da esperança que militou nobremente pela educação e, portanto, a favor da vida, afirmando: “não posso continuar sendo humano, se faço desaparecer em mim a esperança [...] mudar é difícil, mas é possível”. (FREIRE, 2002, p.88)
Convido, pois, a todos/todas para que leiamos com todos os poros, olhares, corpos.....E escrevamos novos textos em novos contextos.

Muito obrigada!!!!
* Professora da UNEB/ Campus IV/ Jacobina.

Salvador , 26.09.07


Referências:
BAGNO, Preconceito Lingüístico: o que é como se faz. São Paulo: Loyola, 1999.
FREIRE, Paulo. Pedagogia de esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.
GRAMONT. Guiomar. A formação do leitor: pontos de vista. RJ: Argus, 1999.
SANTANA, Affonso Romano. Ler o mundo. Disponível em leiabrasil.com.br.Acesso em 10 de março 2001.
MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Quatro leituras do nosso mundo (e das armadilhas e contradições). Jornal da UNICAMP. Ano XXI, nº 364, julho de 2007. Campinas, São Paulo. p. 6.
NOGUEIRA, Simone do Nascimento. A importância do livro no Brasil do século XXI. Jornal Bolando Aula - apoio didático aos professores das séries iniciais do ensino fundamental. Ano 11, nº 79, fevereiro de 2007. Santos, São Paulo.p.12.

[1] Grifo nosso
[2] Cf. Ler o mundo. Disponível em leiabrasil.com.br.Acesso em março 2001.
[3] Grifo nosso para leitora na epígrafe e mulheres na citação de Guiomar. Para cf. ler A formação do leitor: pontos de vista. RJ: Argus, 1999.